Dia desses, no meio da insônia eu resolvi re-assistir ao meu filme preferido. Sim, preferido. O filme que se eu tiver que levar pra uma ilha deserta será ele. O filme do qual eu usei uma citação quando tive que fazer uma certa apresentação na empresa em que eu estava empregada até um dia desses. O filme que as pessoas amam odiar.
Eu amo Elizabethtown e vou defendê-lo com quantas palavras forem necessárias.
Mas, antes, um pouquinho de história.
O que é e/ou qual o problema com Elizabethtown?
Elizabethtown foi dirigido por Cameron Crowe, um cara foda e também responsável por outro filme que eu amo de paixão: Quase Famosos (mais sobre isso, num futuro não muito distante). Daí, lá em 2007, dois anos depois do lançamento do filme, um crítico chamado Nathan Rabin, escrevendo para o AV Club, decidiu fazer uma maratona de filmes em março e escrever sobre eles. E o primeiro filme da lista foi… exato! Elizabethtown. E, além de todas as opiniões de que o filme já era “amaldiçoado” pelo fato de Ashton Kutcher e Jane Fonda terem se recusado a participar, ele fala da Manic Pixie Dream Girl, um termo que teoricamente ele mesmo cunhou (inclusive, aparentemente nesse exato texto, apesar de ele mencionar que a personagem da Natalie Portman em Garden State se enquadra na categoria – outro filme que eu adoro).
Mas eu não vou discutir esse mérito. Eu não vou falar de MPDG e de quão nocivo isso é para as mulheres e como o cinema usa e abusa desse recurso, porque esse não é o caso. Se você quiser ler o texto que Rabin escreveu é só clicar aqui.
Eu quero falar de Elizabethtown
Do meu filme preferido que as pessoas (ou grande parte das pessoas) odeiam.
Quando eu gosto de um filme eu assisto ele várias vezes. Não, não estou falando de 5, 8 vezes. Eu estou falando de 50. A Bela e a Fera, por exemplo, minha animação favorita da Disney, eu já assisti mais de 200 vezes e eu sei disso porque até alguns anos atrás a locadora que eu alugava filmes quando criança ainda tinha esse registro.
Apesar disso, Elizabethtown foi um filme que eu assisti várias vezes, seguidas, e depois parei. Vez ou outra eu revisitava, principalmente quando ainda tinha na Netflix (you son of a not good person). Mas, dia desses, eu tive insônia, mesmo tomando remédio para dormir. E decidi procurar um filme “levinho” desses para assistir, porque ajuda a minha cabeça a relaxar o que, consequentemente, me faz ter mais facilidade em dormir.
Em geral, eu assisto Legalmente Loira, Miss Simpatia, ou qualquer coisa dessas que eu sei que não vão me fazer chorar (e que tenho quase certeza de que ainda vão aparecer por aqui, uma hora ou outra). (motivos pelos quais eu não assisto, por exemplo, Lilo & Stitch ou filmes da Disney, em geral, nessas horas). Mas, depois de algum tempo rolando a tela do celular no Stremio, Elizabethtown apareceu.
E foi assim.
Foi assim que, mesmo assistindo pela quinquagésima nona vez, eu vi o filme com outros olhos. Com olhos de quem tava pouco se fodendo para a Drew&Claire. Com os olhos de quem acabou de ser demitida e não consegue parar de falar, pensar, sonhar e qualquer coisa com o assunto. Eu comecei a assistir ao filme com os olhos de alguém que fracassou.
E se você, caro leitor, nunca assistiu Elizabethtown (o que você está fazendo aqui que não foi assistir ainda? Mentira! Espera o texto terminar, não tem spoiler), eis as primeiras frases dele:
Alguém disse uma vez que existe uma diferença entre um fracasso e um fiasco. O fracasso é apenas a falta de sucesso. Qualquer idiota pode fracassar. Mas um fiasco… Um fiasco é um desastre de proporções míticas. Um fiasco é uma lenda, contada para que os outros se sintam mais vivos.
Sim, meus olhos se abriram novamente bem aí. Nesse quase inotável (?) começo de filme, quando, no cinema, você ainda está pegando a pipoca, se arrumando na cadeira e colocando o refrigerante no apoio de copos. Narro a cena, também: Drew, o protagonista, está entrando na empresa, onde todos sabem que ele não só fracassou mas foi responsável por um fiasco. São aqueles olhares desviados, os cochichos de canto de boca, a sensação desagradável de estar ali depois do acontecido. Essa seria eu, na última quinta-feira, quando precisei voltar ao escritório para dar baixa na minha carteira e homologar minha demissão.
Nos últimos dias eu vim me sentindo um fracasso, mas fui pintada como um fiasco. E a verdade é que nem um dos dois é verdade. Eu não fui um fiasco, e nem fui um completo fracasso. Mas eu me sinto fracassada porque eu dei meu sangue, mesmo nos piores dias.
O que embala a história e os dias
Elizabethtown tem, também, um fator muito importante e característico dos filmes de Crowe: a trilha sonora. A trilha sonora oficial do filme conta com dois cds (desculpa, gente, mas era 2005, cds ainda estavam em alta) e um total de 31 músicas, além do score original. São as músicas que dão os tons e as passagens dos momentos do filme.
Enfim, o filme conta a história de Drew, esse cara que teve um fiasco com o design de um tênis que custou, praticamente, U$1 bilhão à empresa e, claro, ele está sendo demitido. Não bastando, ele recebe a notícia de que seu pai morreu enquanto visitava a família em outro estado. Sua missão é buscar o corpo em Elizabethtown, no Kentucky, para ser enterrado em Oregon, onde ele, a mãe e a irmã moram.
No vôo de ida ele conhece Claire, a aeromoça super prestativa, mpdg, etc etc. Mas, como eu disse, dessa vez eu não assisti ao filme com os olhos de Drew&Claire ou qualquer outra coisa. Eu assisti com os olhos do fracasso, ou melhor, da sensação de fracasso. Eu engoli a seco, um momento importante da conversa entre ele e a Claire:
Então você fracassou. Ok, você realmente fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você fracassou. Você acha que eu me importo com isso? Eu entendo. Você quer ser muito bom? Então tenha a coragem de fracassar gigantescamente e seguir em frente. Faça-os se perguntarem porque você ainda está sorrindo.
Prestem atenção à essa última frase por um simples motivo: foi essa a frase que eu coloquei na minha apresentação. É essa a frase que tem me dado uma certa força de entender que uma hora vai ficar tudo certo e beleza, bola pra frente. Talvez tenha até sido para melhor. E, é claro, quinta-feira, quando eu tive que ir lá, homologar minha demissão e encarar todas as pessoas como o Drew fez, eu não fui de cabeça baixa. Pelo contrário. Eu fui com o coração aberto para poder me despedir de pessoas que foram e são importantes para mim. Pessoas que me ensinaram, pessoas de quem eu aprendi a gostar. Eu decidi, por ter isso na cabeça, que não ia deixar ninguém me olhar com pena. Assim como eu não deixei ninguém me ver chorar quando eu fui demitida (exceto meus dois amigos).
E o que importa é que, depois do “corpo recuperado”, Drew resolve fazer a viagem de carro que ele e o pai adiaram por anos. Ele e as cinzas do pai. Com um mapa criado por Claire. Um mapa detalhado que, olha, deve ter dado um trabalho do cão, já que envolvia mixtapes, paradas estratégicas e um monte de outros detalhes cinematográficos, porque, afinal de contas, ainda é um filme e ela é a mpdg dele.
Aceite seu fracasso (real ou não)
Em dado momento, e essa é uma parte importante, Drew pára pra comprar a revista para a qual ele deu uma entrevista sobre seu fiasco, cof cof cof sem nenhuma pressão do ex-chefe cof cof cof. E aí vem a segunda parte mais importante do filme no que concerne o fracasso. Nas palavras da Claire:
Você tem cinco minutos para sentir este sofrimento. Aproveite. Abrace-o. Deixe-o ir… E prossiga.
Ok, Claire. Talvez para o Drew os cinco minutos tenham sido suficientes, mas não foi pra mim, porque nossos motivos foram diferentes. Foram necessários 5 dias, algumas latas de cervejas, um pacote de Bono, uma barra de chocolate, alguns litros de água com gás, alguns maços de cigarro, várias conversas, muitos textos, muitas lágrimas e vários pesadelos para chegar no ponto em que eu estou hoje. Mas acredito que, passada a quinta-feira, será cada vez mais fácil deixar ir.
E esse é o ponto. Ou o meu ponto, na verdade. Elizabethtown, à parte de todo o resto, pode ser lido como um filme sobre fracasso, sobre se reerguer. Sobre aprender com a perda. Sobre começar de novo. E, vocês me desculpem, mas puta que pariu, era exatamente o filme que eu precisava naquele momento, com a cabeça latejando, sem o menor sono. Era o filme que me faria confortável o suficiente para, creio eu, bater um novo recorde de palavras na minha newsletter, com um conteúdo muito mais otimista e pra cima (embora falando de fracasso) do que as últimas 3 ou 4.
A verdade é que o sentimento de fracasso vem da minha auto-cobrança. Vem da necessidade por aceitação. Vem da auto-estima que eu não sei onde vive, mas gostaria de encontrar. Porque eu não fracassei. Eu sempre tive bons resultados. E o que quer que as pessoas cochichem ou desviem os olhares é um problemas delas e não meu. Eu não fracassei. E eu consegui entender isso.
*pequena observação:
o texto original sobre Elizabethtown foi enviado, em primeira mão, sem cortes e/ou ajustes, na minha newsletter (que você pode assinar, clicando aqui). esta é uma versão editada (por diversos motivos) com a exclusão e inclusão de diversos detalhes.
Demission files é um projeto motivado pela minha atual situação empregatícia (?) e um padrão de reassistir as coisas milhares e milhares de vezes. Para entender mais, dê uma olhada neste post.