Demission Files #2: A Partilha

Por um dia eu não acerto o prazo de um mês desde a última vez em que eu postei aqui. Inclusive, com o primeiro arquivo do Demission Files, sobre Tudo Acontece em Elizabethtown. Não é como se nesse um mês eu tivesse virado uma pessoa evoluída e, com isso, parado de assistir coisas repetidas e fazer associações malucas dentro da minha cabeça. Muito pelo contrário.

Eu assisti dezenas de coisas, apesar de a grande maioria ter sido pela primeira vez (já me viu falando sobre The Bold Type?), mas por milhares de motivos não vim aqui e escrevi sobre, nem compartilhei minhas doideiras. Até que hoje (na verdade, ontem à noite) me deu vontade de rever um desses filmes, um brasileiro.

Não se fazem mais filmes como antiga…bleh!

Não vou começar com esse mimimi que vai me fazer soar mais mimada e millennial do que a minha intenção, mas a verdade é que há muito tempo eu não vejo uma comédia brasileira que me comova e que me impacte tanto. A última foi Os homens são de marte e é pra lá que eu vou e perdoem-me, mas acho que grande parte de eu ter gostado deste filme foi a situação: o dia, o cinema, a companhia. O filme, em si, foi um adendo, uma pecinha do quebra-cabeças.

Anterior à esse, meu filme brasileiro preferido é Muito Gelo e Dois Dedos de Água e eu já devo ter falado sobre ele em algum dos meus milhões de blogs (então talvez eu procure o texto perdido, talvez não). Mas não foi esse o filme do dia. Hoje foi dia de re-assistir A Partilha. (E agora, pensando bem, vejo uma coisa em comum nos dois filmes: Paloma Duarte #meliga.)

Enquanto assistia, conversei com umas amigas e questionei o fato de o Miguel Falabella não estar mais produzindo umas coisas assim… Como eu posso dizer… Que dão vontade de assistir. Não sei se foi só porque alguma coisa aconteceu e ele achou melhor deixar pra lá essa vida, ou se – como mencionou uma das meninas – ele só tenha sido vetado de prosseguir com projetos igualmente interessantes.

Não precisa de apelação

A partilha conta a história de quatro irmãs, após a morte da mãe (alerta de que até agora a morte têm sido tema recorrente nos DF), que precisam, desculpe ser óbvia mas, fazer a partilha dos bens deixados pela mãe. São quatro irmãs completamente diferentes: a filha que se apaixonou por um homem e foi morar em Paris sem olhar pra trás (Lúcia, interpretada por Lilia Cabral), a dona de casa que se casou com um militar e mora na Barra da Tijuca de forma rígida e restritiva (Selma, Glória Pires), a filha zen calma com filhos adolescentes que sequer aparecem no filme de verdade (Regina, Andréia Beltrão) e a filha mais nova jornalista-incompreendida-ovelha-negra-da-família (Laura, Paloma Duarte – identificação em 100%, crush de 95%).

Passados os trâmites de enterro, elas precisam decidir o que fazer com os bens materiais, principalmente com o maior deles: o apartamento. Ah, e com a babá que viveu com a família durante toda a vida. Elas podem não concordar em muita coisa (e como não concordam!), mas a venda das coisas é algo que consegue unir quase todas, porque, no fim das contas, é algo que vai “beneficiar” à todo mundo.

Lúcia não vai precisar mais viver exclusivamente às custas do marido, Regina vai poder levar uma vida mais confortável (já que é dito que ela se formou em psicologia, mas terminou vendendo sanduíche natural) e Laura vai poder ir pro exterior fazer seu doutorado (o que não fica muito claro, mas como na melhor cena do filme ela chega com uma tese – que eu assumo ser de mestrado – nos resta a opção doutorado).

Mas Selma não pensa assim. Ela não quer se desfazer. Das coisas, das memórias, das irmãs… Ela acredita que uma vez que tudo seja finalizado, será o fim “delas”, também, até porque, o que as mantinha unidas era a mãe e agora isso se foi.

O roteiro…

Assumo: eu sou uma idiota por roteiros bem escritos, com pitadas de humor para quebrar com a seriedade, sem a necessidade de ser apelativo; com monólogos tão coesos que eu poderia passar o dia ouvindo só aquele trecho e, ainda assim, ser remetida dentro de mim ao conteúdo total do filme. Falabella faz isso nesse filme uma, duas, três, dezenas de vezes, e eu não me canso. Simples assim.

É claro que existe alguma coisa em específico: mais ou menos aos 45 minutos de filme existe uma cena que me joga no chão e pisa em cima (e depois me pega pelas mãos e põe de pé), que é o que eu sempre espero ansiosamente enquanto assisto.

…e os monólogos

Na cena, sem voltinhas ou meias palavras, no meio de um ataque de raiva, Selma diz à Laura que foi questionada sobre a sexualidade da irmã. Com essas palavras: “Sabe o que a Simone me perguntou esses dias? Mamãe, a tia Laurinha é sapatão?”

E daí, se segura, porque se você não estiver pronto é só tapa na cara (ou tiro, porrada e bomba pra ser mais atual). Laurinha não foge do embate. Muito pelo contrário, talvez pela primeira vez em toda sua vida, Laura rasga o verbo e fala tudo que tem que falar, com as palavras mais “baixas” até chegar ao seu nível acadêmico de olhar as irmãs e falar que tudo que ela teve foi sempre na rua, não foi dentro de casa, uma vez que elas estavam sempre muito ocupadas com suas próprias vidas. E eu amo Laura com todas as minhas forças nessa hora (até com forças que eu não tenho).

Eu gosto de mulheres. Eu sou sapatão, eu sou sargento, fanchona, lésbica. Eu colo o velcro, eu gosto de colocar arranha pra brigar.

Vocês não me entendem mesmo. Pra vocês eu sempre fui aquela coisa esquisita, incômoda. Como eu quis ser igual à vocês! Eu cresci brincando sozinha nesse apartamento, e vocês se arrumando pra sair, e vocês fofocando e vocês discutindo. Sobre as festas,  sobre os homens, sobre os vestidos… Blearghhhhh!

E eu? Com quem que eu ia conversar? A minha família, as minhas amigas, as minhas mulheres… eu tive na rua. Não foi aqui, não. Aqui eu sempre tive muito sozinha. Nenhuma de vocês nunca correu pra mim quando eu precisei. Aliás, nem sequer notaram que eu tava precisando. E eu precisei muito de vocês.

À parte disso, você deveria assistir

Minhas opiniões e questões pessoais de lado, eu sempre acho que A Partilha é um filme que deveria fazer parte do repertório de qualquer pessoa, principalmente brasileiros. Ele te deixa tenso pra, em seguida, quebrar a tensão com uma besteira qualquer, sem perder o ritmo e o jeito do roteiro.

Suas personagens, das principais às mais insignificantes, são bem desenvolvidas – e olha que eu estou contando neste bolo o repórter que está cobrindo o velório adjacente ao da mãe delas e depois dando umazinha no apartamento com Regina e o xamã que engravida a discípula porque ela foi “a escolhida”.

(ou eu deveria, de novo)

A Partilha é um filme que consegue me desopilar por algumas horas (às vezes, até, alguns dias). Um filme que me deixa falando com seus bordões por dias (vide que troquei minha bio do Twitter pessoal, enquanto assistia). É um filme que consegue me tirar do fundo da bad e rir, por mais tosco que seja o motivo.

Mas, mais do que isso: é um filme que me faz ter vontade de pegar partes dos diálogos e espalhar por aí, mostrar para as pessoas, usar como indireta (se for preciso). Me dá vontade de passar o dia re-assistindo no volume máximo e falando, junto com as personagens – porque eu sei, frase a frase do que é dito.

Sem esquecer da cena emblemática

Embora a cena mais emblemática e importante do filme sejam a que eu descrevi acima e a do término da Laurinha com a namorada (interpretada pela Guta Stresser), as duas cenas são completamente pessoais, pra mim. Por isso mesmo eu sei que a cena emblemática do filme, é outra.

É quando as irmãs finalizam, de fato, a partilha. Quando elas saem do restaurante e caminham pela beira da praia com uma garrafa de BANI (bebida alcoólica não identificada), conversando e cuidando umas das outras, até que um zepelim (haha o começo dos anos 2000) começa a tocar Dancing Days, d’As Frenéticas, bem em cima de onde elas estão e elas dançam. Com direito à coreografia e pôr-do-sol cinematográfico de presente.

Tem até um vídeo de ensaio dessa cena, no Youtube (mas, acho que, na época era extra do DVD):

https://youtube.com/watch?v=fWuuYmMLXtw%3Fecver%3D2

the demission files liz mendes

Demission files é um projeto motivado pela minha atual situação empregatícia (?) e um padrão de reassistir às coisas milhares e milhares de vezes. Para entender mais, dê uma olhada neste post.

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